Ofício IAB/RJ - NRLM - 002/2012
Ao
Magnífico Reitor Roberto
de Souza Salles
Prezado Senhor
Desde o fechamento do Cinema Icaraí o Núcleo Regional Leste Metropolitano do Departamento Rio de Janeiro do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB/RJ – NRLM - vem lutando pela conquista deste espaço como um lugar que cumpra sua inerente função social, histórica e afetiva para todos nós cidadãos niteroienses. Já manifestamos perante diversas audiências públicas, nosso apoio à iniciativa da Universidade Federal Fluminense de incorporar o cinema enquanto centro cultural público.
Gostaríamos
muito de agradecer seu empenho nesta empreitada e seu discernimento, diante do
desejo da sociedade niteroiense que, apesar das criticas à maneira com que foi
realizada a desapropriação, com o ágio pago pela Prefeitura – que é recurso dos
esforços dos cidadãos contribuintes – considerou que o imóvel Cinema Icaraí finalmente
está a salvo, “nas mãos” da Universidade e com perspectiva de ser bem sucedido
na sua revitalização.
Mais
do que uma atitude romântica ou saudosista, a preservação dos imóveis,
ambientes ou paisagens numa cidade atende à necessidade do ser humano, como
integrante de um grupo social, de salvaguardar sua identidade. É através da
preservação da sua história, aquela que abriga suas referências e que deve ser
passada aos seus descendentes, que o cidadão fortalece sua identidade.
Num
ato, no mínimo, de distanciamento ou talvez de distração daquilo que é caro à
população de Niterói, em 2006
a Câmara de Vereadores, a revelia da manifestação do
Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural - CMPC aprovou a Lei
2381/06 e alterou o tombamento que protegia o cinema Icaraí desde 2001.
Naquela
ocasião o Conselho identificou e apontou os efeitos desastrosos da aplicação
dos dispositivos contidos na Lei, pois a alteração volumétrica aí permitida
aniquilaria a imagem do bem, suporte material dos valores intangíveis que este
encerra.
Diante
da iminente ameaça ao bem cultural, este IAB mobilizou-se em reunir
documentação e encaminhar ao INEPAC, órgão estadual, solicitação para
tombamento do imóvel. Na mesma época, outros segmentos também se mobilizaram em
manifestações de claro apreço ao Cinema, contribuindo para a compreensão pelo órgão
de proteção estadual do valor atribuído ao bem pela população de Niterói. O
tombamento estadual, então, realizou-se em 26/11/2008, através do processo
E-18/001.281/07, sendo neste ressaltada a importância arquitetônica, cultural,
urbanística e afetiva do bem e estabelecida como área de tutela para a proteção
do bem a Praça Getúlio Vargas, o que garante sua efetiva preservação.
Uma
vez tombado pelo INEPAC, o imóvel perdeu o valor financeiro especulativo que
lhe havia sido atribuído pela lei de Niterói em 2006, descontentando aqueles que
se beneficiariam desta condição e a partir daí se instala um ambiente de
tensão, não explicita, entre estes e a sociedade, que se mantém mobilizada na
defesa de seu patrimônio.
No
momento presente, a UFF tem a oportunidade de promover a preservação das
características arquitetônicas, culturais e urbanísticas do imóvel e do lugar,
legalmente protegidas e popularmente defendidas, o que conduz a discussão para
um estreito caminho onde o conjunto da sociedade e o poder constituído têm o
desafio de encontrar solução que resguarde o interesse público do imóvel.
Tomamos conhecimento, através de nossos colegas professores da Escola de
Arquitetura e Urbanismo da UFF, que está sendo organizado na Universidade
um concurso de projetos entre os estudantes de arquitetura para restauração do prédio do CINEMA ICARAÍ, conforme Vossa Senhoria afirmara diante da imprensa, quando da ultimação do processo de compra do imóvel.
Para tal situação gostaríamos, com a veemência que o assunto necessita, de manifestar opinião sobre algumas questões que consideramos de fundamental importância.
O
IAB/RJ – NRLM, como já historiado, esteve acompanhando o processo da vil alteração do tombamento do CINEMA ICARAÍ, desde os seus primórdios, em 2006 e foi agente no
processo de tombamento realizado pelo INEPAC em 2008. Esta Instituição possui longa trajetória nas discussões e fóruns da cidade em
debates sobre patrimônio cultural e
urbanismo, inclusive com a UFF e propugna pelas questões da formação e do exercício profissional dos
arquitetos e urbanistas, também
discutido neste IAB através dos nossos representantes no recém criado Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU).
Por essa trajetória, que nos credencia à
opinião e crítica nos assuntos de arquitetura e urbanismo e no intuito de
possibilitar outro olhar sobre a questão em pauta - concurso de projetos
entre estudantes de arquitetura e urbanismo - nos sentimos confortáveis em apresentar
ponderações, preocupações e indagações, como segue:
·
Preliminarmente,
parabenizamos a intenção de escolher o projeto a ser executado através da
realização de um concurso, processo que por sua natureza seletiva favorece
solução de maior qualidade.
·
A importância do CINEMA ICARAÍ
como referência urbana e arquitetônica para nossa cidade não pode, de forma alguma, ser desqualificada, merecendo
assim, tratamento a altura, através de concurso público entre profissionais da área.
·
O
concurso público entre profissionais, além de ser democrático, pois sendo
público é aberto a qualquer profissional habilitado, não impede a participação
dos estudantes que poderão integrar equipes sob a coordenação dos
profissionais, inclusive professores da Instituição, enriquecendo sua formação
profissional.
·
Cabe
alertar, face a legislação em vigor, Lei 12.378 de 2010, sobre a prática do
exercício profissional, sobre equívoco na realização de concurso para
elaboração de projetos entre estudantes e fazer indagações como: quem irá
assinar a autoria do projeto, inclusive com o recolhimento do Registro de
Responsabilidade Técnica (RRT) ao CAU?
·
Ainda
que possa ser estimulante ao estudante a possibilidade de se sentir como um
profissional em momento prematuro, é importante refletir que esta simulação
extemporânea das suas atribuições futuras, pode desqualificar o diploma como
resultado e símbolo do esforço empreendido numa formação de qualidade por parte
dos alunos e da Instituição.
Finalmente,
gostaríamos de poder aprofundar este assunto em reunião a ser convocada por Vossa
Senhoria. Por ora, até que este encontro possa ser agendado, solicitamos que,
por favor, suspenda as providências para o referido concurso, exceto, se com
base na argumentação exposta, concluir por reconduzi-lo em melhores práticas
profissionais.
Renovamos
os votos de estima e consideração,
Atenciosamente,
Daniel
Mendes Mesquita de Sousa
Presidente do IAB-RJ/NRLM